Querido grupo, caros colegas e companheiros, fiéis amigos e amiguinhos, esta não será uma crónica como as outras, não depois do nosso último jogo contra as Velhas Guardas de Carvide nessa bonita tarde de sol ali plantada na capital do pão de ló. Vejam nela, portanto, o que imperiosamente tem de ser visto depois de tão pobre, triste e perdulária exibição do seu autor: um auto de fé, uma auto-crítica, um ato de contrição, a confissão de um arrependido. Assim foi prometido, assim será. É nessas alturas que o rapazinho que um dia na infância viajou pela primeira vez ao Estádio da Luz e sonhou ser como o Rui Águas a dar cabo dos centrais na alturas com os seus majestosos tentos de cabeça dá graças por ter abandonado o futebol e desistido de uma arrastada carreira de vinte anos pelos pelados das distritais a medigar salários ou prémios de jogo a partir do mês de fevereiro ao ir estudar para a universidade em cujas carteiras tantas vezes se haveria de perder de caneta no lábio e olhos presos no teto fantasiando com concretizações portentosas.
Vamos admitir: a partida não me correu bem. Ou antes: correu-me mal. Mais do que isso: correu-me muito mal. Quer dizer, sejamos justos: correu-me muito, muito mal. Se querem a verdade: correu-me pessimamente. O que de facto aconteceu? Uma tragédia. Um cataclismo. Uma hecatombe de proporções épicas. O pior pesadelo de um avançado tornado realidade. Golos atrás de golos falhados na cara de um guarda-redes adversário mais estarrecido com a situação do que um condenado à guilhotina absolvido no último minuto pelo seu carrasco. Como descrever ainda o que sucedeu por outras palavras? Digamos apenas que se alguém tivesse gravado tudo com um telemóvel e partilhado nas redes sociais eu teria sido durante um dia uma anedota viral partilhada até à naúsea na cronologia de milhões de utilizadores que passam as horas sentados no trabalho à frente do computador sem nada para fazer. Podia ter sido pior? Podia. Podia ter sido o Rui Alexandre a falhar os mesmos golos à boca da baliza como costuma ser, mas não é a mesma coisa.
Aliás, se o encontro correu bem foi precisamente ao nosso Presidente que conseguiu o empate (como é hábito: entrámos a perder) numa recarga simples a um bom remate do Hélio Aurélio e já depois de ter vituperado toda a equipa não tinha decorrido mais de uma vintena de minutos. A revivarolta no marcador chegou ainda na primeira parte com uma bonita jogada de entendimento entre o Maurício Marques e o autor desta crónica que, apesar de tudo, teve nesse momento o seu oásis de inspiração com um belo golo de fora da área, mas que não duraria muito pois as Velhas Guardas de Carvide tratariam de igualar a contenda. Felizmente depois do intervalo tivemos o Romeu Violante (num regresso em grande e após uma muito interessante aposta nas artes circenses neste último Carnaval) e sobretudo o João Coelho que desenhou uma genial incursão pelo lado direito do ataque assistindo dessa forma o primeiro, esfregando na cara do David Mariano aquilo que se deve fazer ao esférico quando temos o vasto espaço entre os postes à nossa mercê e dando-nos a merecida vitória.
Existe um enormíssimo, e infelizmente já desaparecido entre nós, escritor chileno chamado Roberto Bolaño que escreveu provavelmente um dos melhores contos na história da literatura sobre futebol, intitulado “Buba”, e que pode ser encontrado na sua coletânea recentemente editada: “Putas Assassinas”. Ora, Bolaño é alguém que o autor desta crónica desde há muito admira e irá naturalmente citar porque fica sempre bem dar um certo ar de cultura no rarefeito universo futebolístico. Nessa história, acompanhamos então o percurso de um jogador africano recém-contratado pelo F.C. Barcelona que ao fazer amizade com outros dois jogadores, um espanhol e um sul-americano, a dada altura envolve-os em certos e obscuros rituais que conduzem o trio ao êxito desportivo sem que se perceba claramente se foi derivado a essa ação que alcançaram as melhores exibições e os troféus máximos. Na dúvida, para a próxima besunto-me com o sangue de três galinhas, dois sapos e uma serpente a ver se as coisas correm bem. Eu que nem sou supersticioso.
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