Toda a gente sabe que a fronteira entre a tragédia e a transcendência pode ser muito ténue. Que o digam os nossos doze pobres desgraçados que viajaram até Espinho para se enfiarem literalmente na boca dos Tigres da Costa Verde. Doze mártires. Doze apóstolos. Doze samurais… não, esperem, afinal esses eram sete. Doze indomáveis patifes. Doze heróis espartanos. Aquele tipo de eleitos que partem numa missão suicida ungidos pela graça divina. Em suma, doze jogadores fraquinhos e limitados, dos quais apenas onze em condições físicas, que deram o peito às balas e que não arranjaram desculpas estapafúrdias para evitarem embarcar na deslocação ao terreno dos Veteranos do S.C. Espinho. É a esses doze Veteranos do Ginásio que dedicamos a crónica desta semana onde, apesar da derrota (uma derrota digna, diga-se de passagem, e contra todas probabilidades face ao desastre anunciado), destacamos o contributo individual de cada um ao jogo.
José António Borrego
A contas com os nefastos efeitos de uma colonoscopia recente, o eterno capitão da equipa voltou a não poder entrar em campo, ocupando no entanto o lugar do Mister Jaime Correia no banco. Não teve, portanto, quaisquer dificuldades em escolher o onze ideal da lista de atletas disponíveis. De saudar o regresso do seu típico e ávido apetite durante o jantar ao açambarcar cerca de dois terços da Caldeirada de Peixe contida no tacho. Isto só na primeira pratada.
Mário Barreiro
Esteve igual a si próprio e à imagem das últimas exibições: sofreu três golos na primeira parte e dois na segunda, um dos quais assumindo a figura de um gigantesco galináceo numa saída absolutamente desfasada na marcação de um canto. Felizmente não teve nenhuma cabine de hidromassagem para montar nesse dia ou nem sequer teríamos guarda-redes.
Gonçalo Ferreira
Tentou ser o mais discreto possível, livrando-se sempre que podia da pelota quando esta lhe era entregue. Poderia ter sido bem sucedido, não fosse aquele segundo em que tentou fazer uma receção, trocando os pés com uma descoordenação tal que acabou por afocinhar e estatelar-se sozinho no relvado enquanto o esférico devagarinho lhe passava ao lado e saía pela linha. Graças a Deus não se lesionou.
António Carvalho
Por incrível que pareça não complicou muito, apesar de numa ou noutra situação ter ficado pregado ao chão agarrado a uma das pernas remendada com aquelas fitas adesivas super giras e sofisticadas que dão muito estilo e obviamente não lhe serviram para nada. Foi, contudo, da sua autoria o magistral passe para o primeiro golo dos azuis ao isolar o autor desta crónica frente ao guardião adversário. Uma assistência de génio.
Aníbal Oliveira
Tranquilo, empenhado, imperial, seguro e repleto de personalidade e presença, tal como nos habituámos a conhecê-lo no centro da defesa. Temos, aliás, a profunda convicção de que ainda está para nascer central mais ‘cool’ e descontraído na história do futebol mundial. Caso para dizer: o que seria de nós sem ele? Obviamente, nada disso lhe serviu para impedir cinco golos dos atacantes contrários.
Álvaro António
O mais injustiçado dos injustiçados. O mais revoltado dos revoltados. Alvo de várias críticas e censuras por parte de um certo colega no decurso da partida, nomeadamente nos minutos iniciais da primeira metade, nunca deixou de responder à altura. Ou seja, berrando e ralhando mais alto do que ele. Ficámos a pensar como seria útil que tivesse tão bons pés quanto cordas vocais.
Abel Lopes
Ocupou desta vez um dos lugares no centro do meio-campo, o que não alterou a sua tradicional forma de jogar, baseada em passear elegantemente pelo relvado toda a sua gama de peitorais, bíceps e tríceps como se o esférico e a formação adversária não existissem e estivesse antes no palco de um daqueles concursos mundiais de culturismo dando-nos o privilégio de contemplar a beleza da sua massa muscular.
Jaime Correia
Contra todas as probabilidades, trocou o lugar de Mister com o capitão José Borrego, aguentou o jogo inteiro e conseguiu não massacrar muito a cabeça aos seus pupilos, assumindo mesmo, imagine-se, uma atitude pedagógica em determinados momentos. Simples e sem inventar. Esperemos que um dia saiba aplicar esta fórmula às suas ideias táticas.
Paulo Jorge
Entrou bem, solto, ágil e cheio de vontade, revestido daquela forma de jogar que tanto o caracteriza: como se estivesse a saltar de nenúfar em nenúfar e desenhando fintas ao redor da bola como as videntes desenham gestos em torno das bolas de cristal. Um feito que durou cinco minutos, até à ocasião em que se voltou a ressentir da sua lesão crónica e passou a coxear.
David Mariano
Mais ainda do que noutras pelejas, correu, correu e correu. Sem destino e sem quaisquer resultados práticos. Sentia-se que muitas vezes queria dar voz à sua frustração, mas fez o que sabe fazer melhor: manter-se calado. Foi recompensado com uma oferenda: um golo na primeira chance isolado frente à baliza quando já decorria a segunda parte. Fez pouco depois a assistência para o segundo tento. O resto do tempo pensou no que ia escrever na crónica.
João Coelho
Realizou uma espécie de hat-trick pessoal… chegando ao terceiro golo da época ao responder com suprema eficácia e uma bela desmarcação a um mortífero passe do autor desta crónica. Por essa razão e por outras, pois houve inúmeras alturas em que a redondinha parecia teimosamente ir parar- lhe aos pés, não conseguiu passar ao lado do jogo por muito que tentasse.
Rui Alexandre
Como líder da associação, começou por pedir, antes do apito inicial, contenção e comedimento em eventuais palavras e críticas entre os colegas. Ora, como qualquer político que se preze, criou a regra para ser o primeiro a violá-la imediatamente a seguir. Daí nasceram os já referidos debates verbais com o Álvaro António: igualzinhos aos do Sócrates com o Louçã nos seus longínquos dias no Parlamento. Uma perturbação que não deixou de afetar o seu desempenho até ao fim.
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